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Armandinho, Dodô e Osmar: o coração do Carnaval de Salvador

Por: Luiz Fern

O CORREIO levantou, a partir de 1979, os fatos mais marcantes da família Macedo


Vinícius de Moraes estava completamente abismado com Armandinho e Osmar Macedo. Enquanto o filho do inventor do trio elétrico dedilhava na guitarra baiana, o pai tirava a camisa. O poeta presenciaria pela primeira vez o “Desafilho”, quando os dois disputavam pelo melhor e mais afinado solo. O whisky de Vinícius ficou sobre um dos joelhos durante o o duelo. Estava tão impressionado que sequer conseguia beber. De 1951, quando criou o trio elétrico, até hoje, foram muitos os momentos que deixaram a todos perplexos. O episódio daquela noite de 1975 é até ninharia.

O CORREIO levantou, a partir de 1979, os fatos mais marcantes da família Macedo. “Ele estava abismado quando tudo aconteceu”, recorda Aroldo Macedo, filho de Osmar. Se parece desnecessário elencar todos os feitos de Armandinho, Dodô e Osmar, criado em 1975, nunca é demais relembrar o que fizeram as sementes do que se conhece, hoje, como Carnaval de Salvador. Dodô e Osmar inventaram a guitarra elétrica (1942), e a Fubica (1950). Depois ainda vieram os encontros na Avenida, o Trio Elétrico Espacial (1988), a música “Chame Gente” (1986). Foi também quem convidou e estreou o primeiro cantor de trio elétrico, Moraes Moreira.


Também passaram por muito. No ano de 1982, ao desistirem de desfilar no Carnaval de Salvador por falta de financiamento, o Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar virou na estrada, à caminho de Itabuna. Os baianos falaram em castigo divino, tão indignados estavam com a ausência dos Macedo. “Foi muita queixa, a galera ficou puta... A questão é que um trio precisa de financiamento para poder sair”, lembrou Armandinho, em entrevista ao CORREIO. As coincidências (ou não) voltam a agir novamente em 1986.


Novamente fora do Carnaval, a música “Chame, gente”, estoura. Ao lado de “Fricote”, é a grande sensação do ano. Pena foi ter que assistir ao êxito num quarto de hotel em Natal, não na Praça Castro Alves, cenário dos memoráveis encontros de trios elétricos. “Foi ao mesmo tempo lindo e triste”, resumiu Armandinho. Parece que o Carnaval de Salvador sempre respondia à ausência de Armandinho, Dodô e Osmar. Foi assim em 1997, quando o falecimento de Seu Osmar transferiu o Carnaval para julho e 10 trios elétricos o guiaram até o cemitério. "A revolução terá continuidade”, escrevemos.


A revolução, de fato, continuou. Com André no vocal, Aroldo e Armandinho na guitarra baiana, e Betinho no baixo, o legado de Dodo, falecido em 1978, e Osmar permanece presente no Carnaval de Salvador. Em 2004, o Trio completou 30 anos e criou o irreverente Abadado. Os foliões vestiram abadá e integraram um bloco gratuito em homenagem à história do grupo. A revolução continuará.


1979: Aumenta o som


O Carnaval de 1979, ano de estreia do CORREIO na folia, começa com mudanças na estrutura do trio elétrico. As caixas de som são unidas na frente do trio, a percussão nas laterais (não em cima, como antes) e os músicos ficam de frente para o povo. “A voz de Moraes Moreira [primeiro cantor de trio elétrico] vai crescer muito [...]Os músicos vão ficar de frente para a massa que vier pulando”, escrevemos em matéria do dia 22 de fevereiro. No dia 26, o resultado é comprovado. “Lá vem o Trio Elétrico de Dodô. Nem Cálice, de Chico Buarque e Rui Guerra, foi perdoada. Ninguém resiste. Gente com cara de executivo, bancário, baiana, empregada doméstica", registramos. Era o que esperava Osmar, que, em entrevista ao jornal, afirmou: "90% da massa tem no trio a oportunidade de se manifestar sem gastar dinheiro". O carnaval cresceu e ninguém resistiu.


Desafilho, Vinicius de Moraes e encontro de trios

O desafilho assistido por Vinicius de Moraes era tão comum quanto o próprio Carnaval de Salvador. "Era um grande momento", lembrou o colunista Marrom, memória viva da folia baiana. Foram memoráveis encontros de trio no circuito Osmar, na Avenida. E era Osmar o grande regente dos encontros: ordenava quando era a vez de um, o momento do outro. Ano após anos, registramos as multidões aglomeradas em torno do Trio Armandinho, Dodô e Osmar. A presença de Caetano Veloso e de Gilberto Gil era basicamente obrigatória. No ano de 1991, um destaque: a família Macedo encontra Moraes Moreira num trio independente. "Meu pai ficou brincando: 'Você quer matar o velho do coração?", recorda Armandinho.



1982: Cadê Dodô e Osmar?


Todo mundo perguntou: Cadê Dodô? Cadê Osmar? No Carnaval de 1982, noticiamos algo completamente inimaginável: os Macêdo estavam fora do Carnaval de Salvador. O próprio Osmar tinha contatado, em 1981, a Bahiatursa para conseguir patrocínio extra para o trio. Prefeito de Salvador à época, Renan Balleiro lamentou, em matéria do dia 17 de fevereiro, não ter mais dinheiro para injetar na festa. No dia seguinte, intitulamos: "Não existe dinheiro que tire o Tapajós do Carnaval de Salvador".

É que, na ausência do trio Armadinho, Dodô e Osmar, entrava em cena, para substituí-lo, o também histórico Trio Tapajós. Mas, o mais curioso, e inacreditável, acontece depois. No caminho para Itabuna, onde fariam desfile, o trio despencou na estrada, no dia 15 de fevereiro. A nota relata as dificuldades de obter informações do acidente junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF), mas reafirma Armandinho, Dodô e Osmar como "a maior atração do Carnaval".

Durante conversa por telefone, 37 anos depois, Armandinho citou o acidente, que não deixou nenhum ferido. Os danos do trio foram reparados sob a liderança de Osmar. Ficou na memória, mesmo, o que disseram os baianos sobre o ocorrido.

“Diziam que tinha sido castigo divino”, lembrou o músico.

Castigo ou não, o caso virou música, composta por Armandinho e Moraes Moreira. “Se o caminhão virou/Deixa virar [...] Se a gente com o trio não pula/A culpa é de quem manipula”, alfinetou a dupla. Em 1983, enfim retornaram para a folia soteropolitana.


13 de fevereiro de 1986: Chame, gente


Logo em 1986, Armandinho, Dodô e Osmar deixou o Carnaval de Salvador para tocar em Natal. Tinham lançado o álbum “Chame gente” no final do ano anterior e, por alegados problemas de financiamento, deixaram a capital baiana. A canção seguiu seu curso natural, independente. E esse desenrolar foi visto por seus criadores apenas pela televisão do quarto do hotel.

“Foi ao mesmo tempo lindo e triste. A música havia saído muito pouco tempo antes. E ver aquele estouro...”, confessou Armandinho.

Acontece que aquele era o ano de Luiz Caldas, com seu Fricote, composição dele com Paulinho Camafeu. A “Chame, Gente”, dedicamos uma pequena nota, no dia 13 de fevereiro: “A música Chame Gente, foi uma das mais executadas, perdendo apenas para o Fricote, de Paulinho Camafeu e Luiz Caldas. Mas o disco do Trio não serve apenas para o carnaval. Ele pode ser ouvido, tranquilamente, o ano inteiro”.

Na mesma edição, com destaque para o Rei do Fricote, anunciamos: "Não precisamos mais importar estrelas para o carnaval". Quando lembra da música, e o fato de não puderem ter acompanhado o primeiro êxito da composição de Armandinho e Moraes Moreira, Aroldo Macêdo fica pensativo. “É difícil explicar como uma coisa dessa acontece. Sei que fico muito feliz de ter gravado o que, para mim, é o hino da Bahia”, declarou à reportagem.


1988: O trio com elevador

Primeiro, ia Osmar. Depois, os convidados. No ano de 1988, um dos inventores do trio elétrico decidiu inovar (outra vez) e criou o Trio Elétrico Espacial. Os convidados para o trio naquele ano foram Caetano Veloso, Gilberto Gil e Wally Salomão. “Ficou todo mundo meio que sem acreditar. Caetano morreu de medo, ficava olhando para baixo”, recorda Armandinho, que viu a cena na televisão. Bom, Osmar subia primeiro por uma questão que, para ele, fazia todo sentindo. “Achava que se aguentava ele, aguentava todo mundo”, recorda, aos risos. O trio circulou durante seis anos.

A instalação de um elevador no trio elétrico foi mais uma inovação de Armandinho, Dodô e Osmar (Foto: Antenor Pereira/Arquivo CORREIO)

1991: Quarenta anos de Fobica: “O coração quer chorar” Quarenta anos de Fobica, o primeiro trio elétrico do Carnaval de Salvador, criado em 1951 por Dodô e Osmar. "Quatro décadas de loucura", como resumiu o título da matéria comemorativa publicada no dia 13 de fevereiro de 1991. Comemoramos junto com o mestre as bodas elétricas. “A semente foi regada com muito suor, sangue e trabalho", comemorou Osmar Macedo. Uma semente que muito mudou até chegar à nova idade. Foi em cima do Trio Espacial (a história está contada acima), que a família de músicos brindou a chegada.


A matéria daquele dia tentou sintetizar o clima de festa:


“Do Campo Grande à Praça Castro Alves, os foliões foram se incorporando ao trio e, em poucos instantes, a multidão já delirava”.

Era mesmo mais uma década de loucura, como foram todas as outras. Perguntada pelo repórter como se sentia ao ver o trio, pode ser que uma turista tenha colocado em palavras o que sentiam todos: “Parece que o coração quer chorar”.

A Fobica não desfilou no Carnaval de 1982 (Foto: Arquivo/CORREIO)


1991: Trio électrique, s'il vous plait

O trio elétrico é uma invenção francesa. Quer dizer, pelo menos em 1991, foi o que toda a Bahia pensou. Justamente quando a criação completava 40 anos, o empresário francês conhecido como Remy Copul, patenteou o invento de Dodô e Osmar. O empresário tinha, inclusive, forte ligação com a Bahia. Já tinha levado para a França Gerônimo, Margareth Menezes e até Armandinho. Em matéria no dia 9 de fevereiro de 1991, falamos do clima de total consternação na Bahia.

Contou-se que Osmar descobriu a apropriação por meio do filho. Teria ficado completamente indignado, como era de se esperar. “Vamos brigar judicialmente para impedir que isso aconteça", prometeu Osmar. Bom, da “indignação” do pai Armandinho sequer lembra. Ou seja, a questão da patente nem foi considerada tão grave pela família.


“Digamos que foi uma Fake News”, brincou Armadinho, por telefone.


A verdade, segundo ele, é que o francês patenteou sim o trio elétrico. Mas com a justificativa de que outro europeu não patenteasse antes. “Como meu pai não tinha patenteado nada, ele mesmo me contou que patenteou o trio elétrico. Quando eu disse isso para a imprensa, tomou outra proporção”, lembra. O francês ficou chateadíssimo com a repercussão – publicações chamaram o empresário de ladrão – e nunca mais contratou outro baiano,

“Eu ainda tentei justificar, ninguém brigou por causa de nada. Nem lembro de meu pai ter ficado assim tão indignado”, continuou Armandinho.

De todo modo, e posteriormente considerado como domínio público, o trio elétrico permaneceu com a Bahia.


1997: Funeral de trio elétrico

“Pelo menos dez trios elétricos participam hoje do enterro de Osmar Macedo”, escrevemos no dia 1º de julho de 1997, data da morte de Osmar Macedo, aos 74 anos, complicação de uma falência múltipla dos órgãos. O sepultamento do engenheiro e músico inventor trio elétrico ocorreu como tinha de ser – e como era seu próprio desejo. Os trios fizeram o trajeto da Avenida, o Circuito Osmar, até o Jardim da Saudade, em Brotas. Um deles, o Trio Tapajós. “Carnaval da Bahia sem Osmar”, manchetamos. Uma multidão seguiu o cortejo de despedida e homenagens a Osmar. O Carnaval mudou de data só para dar Adeus a um dos seus maiores mestres.


1998: Fobica na rua

A Fobica está de volta às ruas. Toda a loucura que se transformou o Carnaval baiano, como resumiu Armandinho, na folia do dia 24 de fevereiro de 1998, como mostrou o jornal do dia seguinte. Os herdeiros de Osmar Macedo levaram o carro para a folia num ato de homenagem ao mestre. O atraso de trio elétricos empurrou o trio histórico para às 23h. "O primeiro de Osmar Macedo, mas não menos abençoado, pelo menos para o Trio Armandinho, Dodô e Osmar”, escrevemos. A matéria, inclusive, reforçou que a morte de Osmar não mataria o Carnaval de Salvador. Pelo contrário: "A revolução terá continuidade. Naquele ano, outra homenagem a Osmar: a composição Tecnologia Tropical, de Armandinho e Fred Góes. "Toda vez que ouvir tocar um trio elétrico, seja aqui ou em qualquer lugar, lá estará meu velho Osmar".


2000: a gigante

Como se abençoasse a passagem da Fobica, dois mil homens dos Filhos de Gandhy cantavam “Chame Gente”, na noite de 8 de março do ano de 2000. No cruzamento da Rua Carlos Gomes com a Avenida Sete de Setembro, o tapete branco cantou em homenagem ao Trio Armandinho, Dodô e Osmar. Quer dizer, em homenagem à versão gigante da Fobica. Quando foi criado, o caminhão não tinha mais que 3,5 metros. Em 2000, os irmãos Macedo revolucionam, mais uma vez, a percussora do trio elétrico. O caminhão chega à Avenida com 18 metros de comprimento. Caetano Veloso, convidado para participar, admirou-se com o tamanho. E lembrou da época da composição de Atrás do Trio Elétrico Só não Vai Quem já Morreu: "Quando cheguei a Salvador, vindo de Santo Amaro, fiquei fascinado com o trio elétrico. Por isso, fiz a música", declarou Caetano Veloso". Dessa vez, não só Caetano, como todos os foliões, ficaram ainda mais fascinados e saudosos.


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